Os gringos piram: nova tradução de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' de Machado de Assis esgota em um dia


O defunto de "Memórias Póstumas" não teve filhos, mas seus leitores não param de se multiplicar. A nova tradução de uma das obras-primas de Machado de Assis foi lançada nos EUA nesta terça, 2, pela editora Penguin Classics. O livro que disputa com "Dom Casmurro" o título de mais influente do autor zerou em apenas um dia em duas das maiores cadeias de livros no país: a Amazon e a tradicional Barnes & Noble.

A tradutora da nova edição, Flora Thomson-DeVeaux, escreveu: "Eu sei perfeitamente que é um momento estranho para celebrar o lançamento de um livro. Mas eu não teria dedicado anos da minha vida a traduzir este aqui se não estivesse convencida de que é um romance eterno". Na mensagem, ela faz referência aos intensos protestos antirracistas nos EUA.


O lançamento do livro, que aborda questões raciais e sociais, em um momento de luta por igualdade racial desde o final de maio, após o assassinato de George Floyd por um policial branco, acabou ganhando um novo simbolismo, uma vez que Machado de Assis [1839-1908] era negro e teve a negritude apagada ao longo da história.

"Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de seu tempo, mas, de maneiras que dão crédito a Machado e tiram crédito de nós, também é uma obra de nosso tempo. Há ecos -
 troque a febre amarela por covid. E há continuidade - racismo sistêmico, tão pungente hoje quanto era na década de 1880", escreveu Thomson-DeVeaux em outro tweet.

Os cinco livros mais vendidos na Amazon e na Barnes and Noble falam sobre raça. Na lista do jornal "The New York Times", três dos cinco mais vendidos de não-ficção têm temáticas de raça também.

Nos últimos anos, campanhas vêm resgatando a origem negra de Machado de Assis


Os gringos adoraram. A edição fresquinha de Machado tornou-se a obra de literatura latino-americana mais vendida na Amazon, desbancando Gabriel García Márquez e seu clássico "Cem Anos de Solidão", além de aparecer em quinto na categoria de realismo mágico. A versão física do livro ficou esgotada na Amazon e na Barnes & Nobles por quatro dias, embora, segundo a tradutora, continuasse disponível em livrarias menores e independentes.

Nas livrarias dos EUA, a obra também aparece como de uma pessoa morta, talvez pelo sucesso que autores como o colombiano Gabriel Garcia Márquez tem por lá, apesar de a categoria não ser comumente usada no Brasil.


Publicado a primeira vez a quase 140 anos, o livro que narra as paixões, os contatinhos e as bads do protagonista foi muito bem recebido, obrigado, pela crítica norte-americana. No exterior, vale dizer, Machado de Assis tem admiradores como o cineasta Woody Allen, a escritora e ativista Susan Sontag e o autor Philip Roth.

Não faltam recomendações, alguns dos maiores críticos literários gringos de todos os tempos não pouparam elogios ao autor BR. Ele é outro Kafka, disse Allen Ginsberg; é o maior escritor negro de todos os tempos, afirma Harol Bloom; é o melhor da América Latina, garante Susan Sontag.

The New Yorker classificou o romance de Machado como "um das mais espirituosos, divertidos e, portanto, mais vivos e atemporais de todos os tempos". Um trecho do prefácio da nova edição saiu na revista sob o título "Redescobrindo o livro mais espirituoso já escrito" o que pode ter contribuído para retumbante sucesso das vendas. "É uma obra-prima brilhante e uma leitura de absoluta alegria, mas, sem nenhuma boa razão, quase nenhum falante de inglês no século 21 o leu [eu o li apenas recentemente, em 2019]", diz Dave Eggers, escritor bastante conhecido nos EUA que assina a crítica .


Por quase cinco anos, Flora Thomson-DeVeaux mergulhou a fundo no desafio de traduzir Machado. Nas semanas antes do lançamento, a tradutora norte-americana de Charlottesville, na Virginia, publicou uma thread com análises detalhadas de trechos do livro, incluindo comentários sobre a missão posterior de inserir notas de rodapé para explicar passagens, como lugares e expressões brasileiras, que não fazem sentido para os gringos.



A nova tradução em inglês amplia o sucesso das anteriores. Em 2018, uma reunião de contos de Machado já havia sido publicada nos EUA e repercutiu entre a crítica literária local. A primeira tradução de "Memórias Póstumas", por William L. Grossman, foi lançada nos anos 1950, Susan Sontag é quem assina o prefácio.


Enquanto isso, em terras tupiniquins, o livro é lembrado por alguns como uma leitura chata dos tempos de escola/ENEM. Triste fama que não faz jus à obra cuja história realmente dá vontade de ler, destaque para os comentários e tiradas que realmente fazem rir. Sim, o vocabulário de fato é antiquado, afinal, Machado viveu no século 19.

E pensar que quando o autor lançou "Memórias Póstumas", no século retrasado, o livro foi praticamente ignorado. Seu cunhado precisou consolá-lo: "E se a maioria do público leitor não entendeu seu último livro? Há livros que são para todos, e livro que são para poucos – o seu último é do segundo tipo, e eu sei que ele foi apreciado por aqueles que o entenderam – além disso, como você sabe bem, os melhores livros não são os que estão mais em voga."

Como se vê, o legado de Brás Cubas foi muito além do que seu defunto - e o próprio Machado - imaginaram.

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