Se depender da fúria de alguns religiosos, os comediantes do Porta dos Fundos não vão para o céu. Mas quem disse que eles querem ir para lá?
Com uma pegada Monty Python, o novo especial de Natal da trupe vem sendo alvo da ira de grupos conservadores por motivos de Jesus gay. Sim, a atração debocha de personagens e passagens bíblicas que ganharam uma versão mundana e descontraída.
Cola aqui para acompanhar toda a treta. Segue a tour.
Após ganhar em novembro o Emmy Internacional de Melhor Comédia pelo "Especial de Natal Porta dos Fundos Se Beber, Não Ceie", lançado pela Netflix em 2018, o Porta dos Fundos deu continuidade à parceria com a plataforma em outra produção de fim de ano: "A Primeira Tentação de Cristo".
The International Emmy for Comedy goes to "Especial De Natal @portadosfundos (The Last Hangover)" produced by Porta dos Fundos! #Brazil #iemmyWIN #iemmys pic.twitter.com/IDQooOW1vy— International Emmy Awards (@iemmys) November 26, 2019
No especial, Jesus [Gregório Duvivier] regressa de uma viagem de 40 dias pelo deserto e é recebido com uma festa de aniversário surpresa para celebrar seus 30 anos. Durante a comemoração, seus pais, Maria [Evelyn Castro] e José [Rafael Portugal], fazem uma revelação bombásticas ao aniversariante: Ele foi adotado e seu verdadeiro pai é Deus [Antonio Tabet].
**Este parágrafo contém spoliers**
A sinopse já seria suficiente para gerar uma treta toda poderosa com cristãos conservadores, mas a zoeira do Porta dessa vez foi longe demais. Na produção, que estreou em 3 de dezembro, Jesus chega acompanhado por Orlando [Fábio Porchat], um rapaz espalhafatoso e alegre. Os diálogos começam, então, a fazer uma série de insinuações de que os dois têm um caso amoroso.
Além da homossexualidade, Jesus resiste a atender ao chamado divino. As controvérsias não param por aí, o especial mostra Deus contando mentiras e envolvido em um triângulo amoroso; os Três Reis Magos são interesseiros; e ainda, José é corno e Maria, empoderada e livre de padrões.
**Fim do spoiler**
Os atores João Vicente de Castro e Thati Lopes também estão no elenco.
Eis o trailer, quem assistir talvez não vá para o céu, mas vai se divertir pra diabos e ficar morrendo de vontade de conferir o especial.
A Netflix Portugal fez um videozinho divertidamente blasfêmico para divulgar a produção. O play é por sua conta e risco:
Se nem Jesus cede à tentação, imagina eu! O Especial de Natal Porta dos Fundos já está disponível! pic.twitter.com/jv23nlQgwO— Netflix Portugal (@NetflixPT) December 8, 2019
Mostrar Jesus como homossexual, além de outras polêmicas, despertou a fúria de grupos religiosos conservadores. Desde então, teve início uma cruzada de cristãos e conservadores contra o especial.
Um abaixo-assinado publicado no Change.org reúne mais de 300 mil assinaturas de pessoas que pedem "impedimento" da atração por "ofender gravemente os cristãos" e exigem da Netflix a sua retirada do catálogo.
O deputado federal Marco Feliciano [SP], expulso do Podemos por acusação de corrupção e assédio, foi um dos que assinaram a petição. "Está na hora de uma ação conjunta das igrejas e pessoas de bem para dar um basta nisso", disse.
Entre os temas mais polêmicos da trama produzida pelo Porta dos Fundos está um suposto namoro de Jesus Cristo com outro homemhttps://t.co/6zJlWZJpvl— VEJA São Paulo (@VejaSP) December 11, 2019
O bispo da Diocese de Palmares, em Pernambuco, Dom Henrique Soares da Costa, também se juntou ao boicote. O religioso iniciou uma campanha no Facebook em que pede aos fiéis que "cancelem a assinatura e, no menu apropriado, expliquem o motivo: "desrespeito por Jesus Cristo", diz na publicação.
Bispo católico critica especial de Natal do Porta dos Fundos: 'Cancele a Netflix' https://t.co/roLdU7eYjG pic.twitter.com/NWX8jSOBwt— Jornal O Globo (@JornalOGlobo) December 10, 2019
O ator Carlos Verea também tacou pedra nos comediantes do Porta. "Lamentáveis", "idiotas pretensiosos", disse. "O subtexto de vocês, que não vou nominá-los, é o lula livre, é a volta do baseado livre, do tráfico livre nas universidades, do desregramento sexual livre, à falta do amor, que para vocês, é careta, coisa da direita", completou.
Em resposta às críticas, o Porta dos Fundos declarou à imprensa que "valoriza a liberdade artística e faz humor e sátira sobre os mais diversos temas culturais e da nossa sociedade". Já a Netflix disse que não vai se pronunciar sobre o caso e que "valoriza a liberdade de expressão artística".
Enquanto tá rolando abaixo assinado contra, a gente comemora o sucesso de mais uma criação de Deus: nosso Especial de Natal @NetflixBrasil "A Primeira Tentação de Cristo" continua cada vez mais poderosíssimo. Mas querendo assinar, segue o link: https://t.co/pU0tk1J59z pic.twitter.com/sVYRtyru5w— Porta dos Fundos (@portadosfundos) December 9, 2019
Gregório Duvivier comentou sobre o abaixo-assinado. "Sim, vi que são quase 300 mil pessoas. Acho que fizemos algo errado, porque é muito pouca gente. Da próxima vez, acho que vale pegar mais pesado. O Porta tem quase 20 milhões de inscritos. 300 mil é um fiasco. Mas de qualquer jeito, vale pra medir a audiência. Pelo menos 300 mil pessoas viram. É mais que a base de apoio do Bolsonaro", ironizou.
Políticos, em sua ira conservadora, recorreram até ao ministro da Justiça, Sérgio Moro. O deputado Julio Cesar Ribeiro [Republicanos-DF] encaminhou um ofício a Moro solicitando "apuração e representação criminal" contra os integrantes do Porta. Segundo o parlamentar, o especial violou o artigo 208 do Código Penal: "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso". Segundo o Código Penal, o crime pode levar à prisão de um mês a um ano, ou multa.
Outros deputados estão apelando a diferentes métodos para intimidar e pressionar o Porta dos Fundos. A deputadas Chris Tonietto [PSL-RJ] já havia pedido à Câmara uma moção de repúdio contra a Netflix. Outros cinco parlamentares solicitaram à Casa que representantes da plataforma fossem convidados a esclarecer as razões da produção do especial, em uma audiência pública. Tudo que a Netflix e o Porta dos Fundos gostariam, imaginem o "merchan" que isso traria para a atração.
Além da petição, do boicote nas redes, do ofício a Moro e do ataque dos deputados conservadores, vários pedidos para retirar o especial do ar estão sendo encaminhados à Justiça nos últimos dias, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Em uma das muitas decisões favoráveis ao Porta, a juíza negou liminar para a exclusão da atração do catálogo da Netflix. Segundo a magistrada, uma decisão diferente "seria inequivocamente censura decretada pelo Poder Judiciário".
O escritor Luis Fernando Veríssimo saiu em defesa do Porta e da liberdade de expressão. "Depois de tudo que passou em vida, Jesus não iria se ofender com a gozação, ele que foi um grande irreverente", escreveu em crônica publicada por O Estado de S. Paulo e O Globo.
Integrantes do Porta dos Fundos também se manifestaram. O ator Fábio Porchat deixou um recado acompanhado de um emoji de coração para quem está indignado com especial de Natal: "pode se indignar com a desigualdade".
Gente, pode deixar que eu me resolvo com Deus, tá de boas, não precisa se preocupar não. Agora pode voltar a se indignar com a desigualdade que destrói nosso país. Mas tem que se indignar com o mesmo fervor, tá? ❤️— Fabio Porchat (@FabioPorchat) December 11, 2019
Duviver usou um quadrinho para mandar o papo reto:
gente o mundo ta chato, nao pode fazer piada com nada /// COM JESUS NAO SE BRINCA (tira do @DiaboReal) pic.twitter.com/OwZBHv77Pd— Gregorio Duvivier (@gduvivier) December 11, 2019
Tacale tretra:
Sou fã do teu trabalho. Ainda assim, achei absolutamente desnecessário o que vocês fizeram. Todos os símbolos de fé deveriam ser igualmente respeitados, e compreendo que os cristãos talvez sejam os que mais desrespeitam a fé alheia. Mas um erro nunca justificará outro.— 𝕿𝖍𝖎𝖆𝖌𝖔 (@Thiago_Filipe) December 11, 2019
"Todos os símbolos de fé deveriam ser igualmente respeitados". Você inclui aí a maconha, sagrada pros rastafari? A vaca, sagrada no hinduismo? Tudo é sagrado pra alguém. Logo nada pode ser sagrado no humor.— Gregorio Duvivier (@gduvivier) December 11, 2019
O filho 03 de Jair Bolsonaro também se manifestou:
A @NetflixBrasil acaba de lançar um "Especial de Natal" onde Jesus Cristo (@gduvivier) é gay e tem relações com @FabioPorchat, além de se recusar a pregar a palavra de Deus— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) December 11, 2019
Somos a favor da liberdade de expressão, mas vale a pena atacar a fé de 86% da população? Fica a reflexão. pic.twitter.com/OtgLJ8ryGu
O filho do presidente tá distribuindo spoilers sobre o especial de natal do Porta dos Fundos? Que desrespeito.— Chico Barney (@chicobarney) December 11, 2019
Toda essa repercussão fez explodir a audiência do especial. Moral da história: um aleluia à criatividade e à liberdade de expressão.
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